A vinganca é um dos sentimentos que mais rebaixam o ser humano. Geralmente, quem guarda rancores por anos a fio, demonstra que tem um Espírito minúsculo.
Eu cursava o segundo ano do chamado “científico”, no meu inesquecível e amado Colégio dom Amando, em Santarém.
É fato notório que o ensino ali seguia os rígidos padrões norte americanos.
Nós alunos nos gabávamos de sairmos para fazer vestibular e sermos aprovados só com o ensino do Colégio, sem necessidade de cursinhos.
Comigo não foi diferente. Parado durante sete anos, já que eu comecei a trabalhar no Banco do Brasil em Alenquer, passei de primeira para fazer o curso de Direito na UFPA.
Mas os fatos que desejo narrar começam aqui.
Numa tarde mormacenta nós fazíamos prova de Química.
Com o estilo ríspido que era peculiar a esse qualificadíssimo professor, ele avisou que não ia admitir qualquer cola durante a prova. Quem tentasse ia levar zero.
A bem da verdade, nós os alunos já estávamos acostumados com o rigor dos nossos professores americanos, o que nos preparou muito bem para a vida.
Voltemos à prova de Química.
Eu estava sentado na penúltima fileira da sala.
Levantei para entregar a prova para o Mestre.
Na volta, quando ia buscar meu material escolar, um colega (prefiro não dizer o nome)acenou com a cabeça perguntando que tal a prova.
Eu não havia gostado e, quando ia passando pela carteira dele, acenei com o polegar para baixo, significando, claro, que não gostei.
Isso foi o bastante para que o professor rasgasse minha prova e a prova do colega que ainda nem havia terminado.
Ele falou:
-Tem zero os dois. Não pode falar.
A turma toda ficou estupefata com aquela “delicadeza” que, mesmo sendo severos, os professores jamais agiam assim.
A turma toda apelou, argumentou, o colega ficou em prantos na sala, mas nada comoveu o mestre.
Dois dias depois, o colega que havia sido zerado junto comigo, me chamou e disse que o professor “ia dar uma chance (?)” pra nós.
Íamos fazer outra prova.
Ele pulou de alegria. Eu falei:
-Não vou fazer, não. A prova eu já fiz, o erro foi dele… ele que conserte…
O colega (que se tornou um engenheiro de sucesso) foi fazer a prova e tirou oito.
Como falei, eu não fiz. No meu boletim apareceu oito, também. Uma nota melhor do que eu ia obter se ele corrigisse a prova.
Quando comecei a trabalhar saí da cidade e tranquei a matrícula, aprovado para a terceira série.
Dois anos depois fui ao colégio para terminar o curso.
O diretor do colégio era o tal professor.
Ele recusou minha matrícula, dizendo (pasmem!) que não havia nenhum registro de que eu tenha estudado ali.
Eu estudei no Colégio desde a segunda série do primário.
Exibi meu boletim assinado por ele.
Mas fui recusado. Nem precisa dizer o motivo.
Na década de sessenta não havia outro colégio para mim na cidade.
Tive que me submeter ao Supletivo para fazer o vestibular, no qual fui o terceiro colocado (sem cursinho, como falei antes).
O tempo foi passando e eu me formei em Direito.
Voltei para minha terra para advogar.
No dia seguinte ao da minha chegada, me aparece em casa a minha querida professora de português, H.H.
Disse que estava orgulhosa de ter um ex aluno “doutor”, essas coisas que as professoras dizem quando encontram ex alunos.
O genro dela era advogado.
Mas ela me disse:
– Meu aluno, quero você!
Imagina eu, recém formado e cru, advogando para uma pessoa querida.
Foi a primeira causa que advoguei.
Na sala de audiências da Justiça do Trabalho eu (nervoso) e minha cliente.
Do outro lado, o representante do colégio com o advogado.
Sabe quem estava representando a escola?
O tal professor.
Ele nunca poderia imaginar que um aluno que recusou, agora o “acusava” em juízo.
Só de me ver, ele que era vermelhão ficou roxo e resmungou:
-This is your school!
Eu disse bem alto. Com dor no coração, mas falei:
– Professor, agora não é mais minha escola, o senhor me expulsou.
A minha professora H.H., havia trabalhado ali por trinta anos, sem recolhimento de previdência e FGTS e mais algumas verbas, cuja prescrição não foi alegada pelo Colégio.
Ela recebeu uma pequena fortuna.
Quanto ao professor, que hoje está nos braços do Pai, talvez tenha se esquecido: o plantio é facultativo, mas a colheita é obrigatória.
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