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Fotos: Jean Brito
Com delegações dos municípios de São Domingos do Araguaia, Parauapebas, Tucuruí, São João do Araguaia, Ourilândia do Norte, Xinguara e Marabá, a I Caravana do Araguaia da Comissão da Verdade do Pará encerra amanhã dez dias de trabalho em campo, coordenado por Paulo Fonteles Filho (CEV-PA) e o professor Fábio Pessoa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará) e que contou com a presença da cineasta Célia Maracajá (GT Indígena/CEV-PA), Marcelo Zelic (Armazém Memória/SP e Comissão de Justiça e Paz/SP), Mano Weinbergue, Sezostrys Alves da Costa (Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia) e Ana Maria Oliveira (Comissão de Anistia do Ministério da Justiça), além de Marco Apolo Santana(CEV-PA e SDDH), Diva Santana (Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da SDDH), Erinaldo Cavalcante (Unifesspa) e representantes da Funai e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A programação se estendeu até a reservas indígenas (aldeia Kyikategê, da etnia Gavião, e Sororó e Itahy, dos Aikewara-Suruí), Palestina do Pará e São Geraldo do Araguaia.  

Houve instalação do Grupo de Trabalho Indígena da Comissão da Verdade do Pará, que busca apurar fatos relacionados à repressão durante o regime militar. Em outra frente, em oitivas dos camponeses afetados pela Guerrilha do Araguaia, foram registrados também depoimentos de ex-combatentes do Exército Brasileiro, que participaram do enfrentamento aos guerrilheiros. 

Em Palestina do Pará, onde, entre 1972 até 1975, todos os homens acima de 14 anos foram presos e muitos torturados por ordens do general Antônio Bandeira, Major Curió e outros agentes da repressão, foi instalada a primeira Comissão Municipal da Verdade da Amazônia e exibido em praça pública o filme “Araguaia, Campo Sagrado”, do cineasta Evandro Medeiros.   
Sobre a violência na região Sul do Pará, casos importantes foram mapeados pela Comissão Nacional da Verdade e precisam ser aprofundados. O Projeto Radam da Amazônia, de 1970, posteriormente Radam Brasil, permitiu mapear áreas promissoras de recursos minerais e deu início à corrida mineral na Amazônia. A propósito dos Yanomami, o ex-ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, reconheceu em 1993: “Logo que o Projeto Radam evidenciou a presença de ouro no subsolo, e a Perimetral Norte levou o acesso até a terra milenarmente ocupada pelos Yanomami, que aconteceu? A morte de mais de 50% da tribo de Catrimani, causada por gripe e doenças, que não são mortais para nós, mas o são para índios não-aculturados. Não foi só nessa tribo, mas em várias outras, onde que se deu a presença dos garimpeiros. Eles poluíram os rios com mercúrio, afastaram a caça pelo barulho, provocaram a fome e a desnutrição dos índios, enquanto contra nós avolumava-se a acusação de que praticávamos o genocídio. Não era exagerada a denúncia. (Passarinho, 1993, pp. 15-17).

O povo Parakanã, por exemplo, sofreu cinco transferências compulsórias entre 1971 e 1977, além da morte de 118 índios, o equivalente a 59% da população original, por epidemias de gripe, contaminação por poliomielite, malária e doenças venéreas – trazidas pelas próprias frentes da Funai. Esse povo tupi amazônico já havia sido vitimado por uma epidemia de gripe após a primeira tentativa de contato, durante a construção da rodovia do Tocantins, em 1950. 

O presidente Emílio Garrastazu Médici assinou o Decreto nº 68.913, de 13 de julho de 1971, de demarcação da reserva indígena Parakanã. Mas os trabalhadores da Transamazônica começaram a invadir a reserva e, durante esses contatos iniciais, tem-se notícia de que presenteavam os homens Parakanã e violentavam várias mulheres. Os relatos também dão conta de que os próprios agentes da Funai praticaram violências sexuais contra as mulheres.  

As estradas do PIN impactaram também os Araweté, com a morte de pelo menos 36% de sua população original. Os Arara tiveram seu território cortado ao meio em 1970 pelo traçado da Transamazônica, o que os levou a viver em fuga constante e a ter seu território crescentemente invadido. Tal situação de insegurança resultou na desestabilização de sua vida produtiva – não podiam fazer roças ou casas, por exemplo – , na desagregação social e no seu isolamento em pequenos grupos. O território arara seria interditado apenas em 1978, impondo aos indígenas longo período de ataques, conflitos e mortes. Em 1969, doze Arara haviam sido mortos a tiros por caçadores de onça (gateiros), que também distribuíram comida envenenada aos demais; um novo ataque de gateiros, em 1973, levou a novas mortes. A tragédia motivou o filme de Andrea Tonacci, Arara (1980-1983, 75’). 

A construção da UHE-Tucuruí provocou também a transferência forçada do povo Akrãtikatêjê – aproximadamente 45 pessoas, à época – de seu território para outra terra indígena, habitada por grupos Gavião, outrora rivais. Até agora, 40 anos depois, o povo Akrãtikatêjê ainda não conquistou seu próprio território.

Em 1973, para viabilizar a construção da Santarém/Cuiabá (BR 163), também os Panará, conhecidos como Krenakore, foram contatados pela Funai e removidos para o Parque Nacional do Xingu, processo que ocasionou a morte de 17.689 indígenas, aproximadamente 66% da população original, por conta de epidemias, fome, convivência com antigos povos inimigos e dificuldades de adaptação. Depois de 20 anos exilados e passando por profunda desagregação, os Panará reconquistaram o que ainda havia de preservado em seu território, onde construíram nova aldeia. Em 2003, a União e a Funai foram condenadas em uma ação indenizatória pelos danos materiais e morais causados, no valor de R$1,2 milhão.

A abertura da Perimetral Norte (BR-210), a partir do início da década de 1970, segundo os cálculos da própria Funai, envolveu o contato com 52 povos diferentes, sem qualquer cuidado sanitário que evitasse a repetição de tragédias como as da Transamazônica e da Santarém/Cuiabá. Até hoje o governo federal não assumiu a responsabilidade.

O promotor de justiça Agenor de Andrade, do MPE-PA, e a procuradora da República Nathália Mariel, do MPF, participaram dos trabalhos em São Geraldo do Araguaia e ressaltaram a importância da Comissão Estadual da Verdade do Pará para a memória dos desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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